Contos

A Espada e o Cajado

Eyllon era o grande rei Eyliine, o terceiro da sua linhagem a portar o título de guardião da Suncut, a espada poderosíssima. Sucedeu sua mãe, a grande rainha Reguina, a esplendorosa, e antes dela o extraordinário Eylin IV, que recebeu a espada recém forjada das mãos de Oluas, O grande Meli artesão e crafter de Citarion.

Suncut já nasceu mítica. Forjada de um metal raro que veio dos céus em uma noite escura. O poderoso metal chegou como uma bola de fogo iluminando toda a noite. Na forja foi usado fogo de dragão. Não um comum. O mais sábio e antigo de todos: Aagor, o multíscio.

O fio no corte? Dado pela pedra lendária dos Meliguts, aquela formada a partir da seiva da árvore mais antiga em Citarion. Ficou pronta ao nascer do sol, quando Oluas captou o primeiro feixe de luz do astro rei. Ela fulgurava iluminando a noite como se fosse dia. Se aquietando apenas com palavras conhecidas pelos guardiões legítimos. Cortava qualquer tipo de metal. Leve e de fácil manuseio, respondia apenas àqueles de bom coração, os desejosos de paz e prosperidade. Adaptava-se ao portador mudando de tamanho.

Como vocês podem imaginar, um artigo mágico assim despertava a cobiça e a inveja de muitos. Não dentro do reino Eyliines. Fora dele.

À medida que Suncut ganhava fama, provocava a sede pelo artefato. Havia uma pessoa em particular que ansiava a impressionante espada mais do que tudo: Carovnik, um alto mago Cítrion que sucumbiu ao poder e desertou. Por muito tempo, rumores indicavam que estava no cume do poder, um dos sítios onde a magia é mais forte em Citarion.

Mandava criaturas mágicas, não mágicas, mercenários, todos que o dinheiro pudesse comprar. Em vão. O poderoso Eyllon rechaçou qualquer tentativa de pilha, enfurecendo o mago. Evitou o máximo que pôde. Temia Suncut com todas suas forças, pois aquele era um receptáculo de bondade e tinha como missão expurgar o mal. Por fim, este resolveu agir por conta própria.

***

O dia estava extremamente convidativo para um passeio ao ar livre. Assim, O rei Eyllon decidiu passar um tempo com sua esposa, a rainha Chime e com a princesinha Ahist. Estavam no jardim, que ficava na praça central de frente para o castelo. A rainha estava sentada à sombra de uma bela árvore, cujas folhas eram de um amarelo vibrante. Comia uma maçã que parecia apetitosa. Eyllon corria atrás da sua amada filha. A brincadeira da vez consistia em pegar um ao outro. Claro que Ahist sempre ganhava. Na sua vez o amável pai reduzia a velocidade a quase zero. Uma tartaruga seria mais rápida. Quando os papéis se invertiam, fingia igualmente, não alcançando a princesa que soltava gargalhadas. Uma melodia para os ouvidos do pai. Naquela altura, não existia nada senão sua família. Esquecia de todas as mazelas e sofrimentos causados pelas incursões inimigas.

— Venha, minha pequena. Seu pai não tem o mesmo fôlego de outrora.

O monarca fingiu uma falta de ar apoiando-se na pequena Ahist. Ela estava próxima de um metro de altura, ainda não tinha atingido os três anos de idade. Sentaram-se ao lado da mãe e esposa. Eyllon colocou suavemente a cabeça no colo dela, logo sendo empurrado pela filha, que tomou o seu lugar. Pegou uma flor que havia caído e colocou no cabelo da princesa. Ficaram ali por um tempo contemplando a bela árvore. Congelaram aquele ponto. Cada um, a sua maneira, lembraria até o fim de suas vidas.

Estavam tão entretidos com as brincadeiras que não perceberam a presença de um mensageiro às margens do jardim.

Hum hum — fez o jovem rapaz. Não passava dos vinte anos.

Foi o suficiente para que os três membros da família o notassem.

— Vai trabalhar, papaizinho?

— O dever chama. Voltarei assim que possível. Enquanto isso, cuide disso por mim.

Apontou a flor no cabelo e partiu com o jovem emissário.

***

Chegou ao salão, área destinada à tomada de decisões. Havia uma távola no centro. Algumas peças e um mapa com a delimitação do reino Eyliine. Ao redor, os generais esperavam de pé pelo seu líder.

— Majestade, eles nos atacam por três frontes. Aqui, aqui e aqui — disse um general apontando três pontos extremos, fronteira com os adversários históricos.

— Um ataque coordenado? — disse o rei. — Não é feitio dos Dalmeks.

Aquele povo preferia atacar abertamente, confiavam nas suas habilidades de combate.

— O intervalo dos ataques está menor — disse o comandante.

— Os alvos dos ataques também — completou um outro líder que estava logo à frente do rei.

Eles cobiçavam as minas com os itens valiosíssimos extraídos de lá.

Eyllon ponderou por um tempo. Analisava o mapa sobre a mesa. Se fosse com seu exército para um único ponto, o inimigo avançaria, o que causaria ainda mais mortes e destruição.

— Droga! — pensou. O seu grande exército estava em uma região oposta para barrar o avanço de um grupo de Truoglots e Reptilianos.

— Vamos em três destacamentos — ordenou Eyllon. — Partimos em três quartos de hora.

Eyllon foi à capela e pediu proteção para o seu exército. Que ele pudesse, uma vez mais, triunfar em batalha. Precisava cumprir o seu papel: extirpar a praga que assolava o seu povo.

Partiu para o arsenal. Lá, vestiu a bela armadura, digna de um rei. Toda dourada, cravejada de pedras preciosas. O elmo da mesma cor. Estava coberto dos pés à cabeça. Para completar a imagem imponente, ela, a Cortadora do Sol, Suncut, a espada dos reis.

— Vamos, minha amiga. O reino precisa de você.

Encontrou o batalhão no pátio principal. Quando ia montar o cavalo, Ahist apareceu.

— Papaizinho, aqui, leve para te dar sorte — entregou a pequena flor amarela que dantes ornava seus belos cabelos cacheados, pretos como a noite.

— Obrigado, minha princesinha. Nos vemos em breve.

Montou o seu belo cavalo e comandou a partida:

tchic, tchic.

Foram todos juntos por uma parte do caminho. Com algumas horas de caminhada, a noite reinava. Preparam o acampamento. No dia seguinte, logo cedo, partiriam. Seria a hora de seguir caminhos diferentes.

***

Cavalgaram por um vale. Dos dois lados, belas cordilheiras. O verde era predominante, cobria aquelas formações. À frente conseguiram ver o monte do poder e, no topo, o cume de mesmo nome. Deveriam seguir até o sopé da montanha, onde ocorreram os ataques, no limite do reino.

Sempre alertas. Contudo, aproveitaram o cenário estonteante diante deles, conversavam e riam. Todos tinham plena confiança no rei, mais ainda em Suncut. Desde a sua forja, nunca perdera uma batalha.

Ouviram algo logo à frente. Uma curva sinuosa impediu a visão. O que estava oculto? Seguiram com cautela. Chegaram perto. Gritos. Tensão total. A estrada apertada, mal cabia cinco cavaleiros em seus cavalos lado a lado. Desmontaram. Avançaram com cautela. Avistaram.

Um grupo de cães selvagens atacando camponeses. As bestas não pertenciam ao reino. Margeavam costumeiramente, mas isso era novidade. Cães apenas no nome, não lembravam em nada os caninos domésticos.

Eyllon desembainhou a espada. Trouxe-a para próximo dos lábios e murmurou algo. Instantaneamente Suncut irradiou um brilho capaz de cegar quem a olhasse diretamente.

O rei partiu na direção dos bichos. Estes não se amedrontaram. Arremeteram rumo ao monarca, que já estava em companhia dos seus. Em carga, Eyllon, com um único golpe, decepou a cabeça de um cão, que rolou alguns metros. Não houve sangue. A espada cauterizou o ferimento nas duas extremidades.

Teve que desviar do corpo que vinha em sua direção. Lançou-se para a fera seguinte. Dessa vez não foi tão hábil. Desviando do corte, o animal bateu no peito do rei com a pata enorme. Caído, Eyllon esquivou da bocarra, rolando para o lado. Quase foi pisoteado por um dos seus.

Levantou-se rapidamente. Ia em direção da fera que arrancava cabeça de um soldado. Teve o caminho bloqueado. Anos de preparo e experiência o fizeram agir rapidamente. Com o reflexo, fez um movimento diagonal de baixo para cima e arrancou a parte frontal da boca de um deles, que já vinha ao ataque.

Aqueles cães eram ferozes e poderiam ter levado a melhor em uma vila inteira, mas face a um grupo tão preparado, fugiram.

A vitória não foi tão gloriosa, pois cinco soldados tombaram. Fizeram um breve funeral. Seus corpos foram postos na direção do sol nascente e as espadas fincadas à frente dos pés.

— Vocês tombaram como heróis. Sigam para além das fronteiras e amarras da carne, que o descanso eterno seja a sua recompensa — proclamou o rei.

***

Coletaram informações dos campesinos. Eles relataram a presença de um número elevado de invasores. Estes faziam o que bem entendessem. Queimavam as casas, as colheitas, as pessoas…

Eyllon aumentou a velocidade. A incursão não tinha mais a mesma aura. Seus soldados pereceram ao seu lado e não foi capaz de impedir. Suncut falhara? Ou a espada era tão boa quanto quem a sustenta? E agora essa quantidade de inimigos... o relatório inicial não havia indicado tantos.

A noite caiu, porém, decidiram continuar. A urgência determinava tal ação. Dormiriam no dia seguinte às margens do inimigo. Um sono restaurador, o suficiente para a manter a força na hora do ataque.

Um dos conselheiros se aproximou.

— Senhor, devemos chamar reforços.

— Eu sei, meu amigo, eu sei! Contudo não podemos dispor de um homem sequer — disse Eyllon.

— Mande um dos cavalos de volta. Qualquer um será capaz de encontrar o caminho.

— Tudo bem. Faça isso.

E assim enviaram a mensagem em um dos animais.

Marcharam a noite toda e parte do dia seguinte. Este pedaço transcorreu sem nenhum problema. Estavam perto do vilarejo atacado. Deveriam parar ali, a uma distância segura. O rei convocou um batedor e o mandou coletar informações.

Algumas horas depois o jovem regressou. Um semblante pálido, mal conseguia ficar de pé, arfava.

— Senhor, estamos perdidos. — Com estas palavras caiu exausto. Inconsciente.

O rapaz abriu os olhos. Estava deitado no chão, sem as botas e com as pernas para cima. Medida para ajudar na circulação.

— Majestade, deve haver umas cinco centenas deles, talvez mais. Todo o vilarejo foi destruído. Corpos queimados espalhados pelo chão ou pendurados em árvores.

— Algum sobrevivente? — perguntou um dos comandantes.

— Não... E senhor… Eles têm… Esqueletos. Há alguma feitiçaria naquela região que esgota a força de vontade.

— Descanse meu jovem, descanse.

O alto comando se afastou do rapaz, deixando-o repousar, ainda que fosse impossível

Eyllon reforçou a guarda ao redor do acampamento. Deveriam esperar por reforços. Nada poderia ser feito pelo vilarejo. Nenhuma alma a ser salva.

O sol desceu ao longe. As horas se arrastaram. Medo e tensão excruciantes.

O rei decidiu falar:

— Meus amigos. Sim, amigos. Não temam, afastem a nuvem da dúvida e do desespero. Confiem na sua habilidade, no seu treinamento, no seu arsenal. E se isso não for o bastante, olhe para o lado — fez uma pausa. — Lute. Não só por sua vida, mas também pela vida dos companheiros, das famílias em casa. À liberdade do nosso povo.

Eyllon ergueu Suncut no alto, ela brilhava. Fez-se dia novamente.

O destacamento foi à loucura. Bateram aa espadas nos escudos e gritaram.

Naquela hora, ouviram sons. Passos. O Regimento inimigo começou o ataque. O reforço não chegaria. Eles tinham que lidar com a situação. O rei ordenou que partissem em direção ao caminho de outrora. O vale entre as montanhas. A passagem era estreita, talvez tivessem alguma chance.

***

Eyllon sacou Suncut e com um único golpe cortou uma árvore enorme, tronco largo. Segmentou-a em alguns pedaços e ordenou que fossem colocados na passagem. Aquilo dificultaria o acesso. Talvez conseguissem sobreviver. Esperava diminuir o avanço e dividir o número, afinal teriam que saltar aqueles obstáculos. Algo que não seria nada fácil com armaduras pesadas. E esperava que os esqueletos não possuíssem inteligência o suficiente para burlar o artifício.

Primeiro avistaram as tochas. Um mar delas.

— Todos a postos — disse Eyllon.

***

Em um piscar de olhos, aqueles esqueletos e homens vis superaram a barreira fixada. Aos montes, foram na direção do grupo. Não os viram transpor. Muitos. Os primeiros já de encontro aos soldados.

Um deles foi na direção do rei. Desembainhou Suncut, levou-a para perto e pronunciou as palavras de comando. Em alguns segundos ela irradiaria uma luz tão forte quanto o próprio sol. Mas algo estranho aconteceu. A espada não respondeu. Levou-a novamente e repetiu o comando, e nada. O inimigo bem próximo levantou as armas e preparou o ataque. Bem, ela não estava ativa, mas ainda poderia cortar qualquer coisa.

Eyllon planejou o contragolpe. Aquele pobre homem em carga não teria a menor chance. Usaria a investida a seu favor. Levantou a espada, porém, não conseguiu movê-la. O que estava acontecendo?

O rei foi atingido no peido pelo corpanzil do homem e arremessado para longe. Sua tentativa de levantar-se infrutífera. Suncut estava fixa no chão. Nem usando toda a sua força foi capaz de movê-la.

— Que artifício é esse? Tão forte que afeta a espada.

Esquivou de outro atacante e colocou as pernas no caminho, fez o homem tombar. Aquela brincadeira estava perigosa. Por qual motivo a espada não respondia?

Então, de pé, segurou o item mágico com as duas mãos. Usou toda a força nas pernas e braços e conseguiu tirá-la do chão. Ela passou pelos seus olhos e nesse momento voltou a brilhar. Assim, lhe foi revelado o atual cenário.

Seus soldados estavam lutando entre si. Não havia inimigos. Tudo não passou de uma ilusão. Suncut, instantes atrás, evitou o ataque e morte iminente de um dos soldados pelas mãos do próprio rei. A espada não ataca pessoas de coração puro.

O rei partiu para deter os combatentes que ainda lutavam. Muitos pereceram. Eyllon golpeou-os com o cabo da espada. Dosou a força, queria apenas desacordá-los. Esquivou de um e já acertou o golpe na nuca do oponente. A peleja durou pouco tempo. Eyllon não empunhava Suncut apenas por ser rei, era exímio espadachim.

Olhou em volta para conferir se estavam todos desacordados e, nesse exato instante, vislumbrou Carovnik. Ao longe, o mago notou que foi descoberto e bateu em retirada. Embora muito poderoso sabia que não seria páreo para Eyllon e Suncut. Ele voltou para o topo do cume do poder.

***

Os combatentes despertaram. Eyllon permanecia alerta, entretanto qualquer feitiçaria que estivesse pairando sobre eles havia cessado.

Rapidamente explicou aos sobreviventes o que havia acontecido. Muitos queriam ir acompanhar o seu amado rei. No entanto, só estavam ali porque a espada protege quem a empunha. O risco de outros presentes na missão era alto. Poderiam atrapalhar, voltar-se contra o rei.

— Está decidido. Vou só, é uma ordem. Esperem os reforços e se dentro de um dia eu não retornar, declarem estado de guerra.

Dessa forma, rumou para o cume da montanha. Não tinha o menor desejo, no entanto Carovnik precisava ser detido, o mago tornara-se forte demais.

Aquele sítio comportava uma beleza inexplicável, antigo como Citarion. Um dos pilares do poder. Motivo pelo qual o vilão escolheu montar o seu covil. Em outra ocasião a paisagem deveria ser admirada, contemplada em sua magnitude. Não daquela vez, a jornada era demasiadamente importante.

Eyllon estava bem próximo do cume, mantinha-se alerta, desembainhou a espada. À noite é possível ouvir a sinfonia dos animais, que saem para seguir a sua vida, em paz, alheios ao entrave mortal que se aproximava.

Nosso amigo avistou a entrada de uma caverna. Nela conseguiu identificar alguns escritos, a língua tão antiga quanto o lugar. Adentrou. O cômodo possuía uma luz própria, um tom azul turquesa. No meio do salão, uma fonte termal, de onde emanava a luminosidade. Do outro lado, Eyllon avistou Carovnik.

O mago, não muito alto, esguio, vestia uma capa preta longa e por baixo uma bata da mesma cor. Uma feição austera. Seu rosto demonstrava uma pele queimada pelo sol. Alguém que, ao contrário do seu clã, partia em missões. Olhos pretos penetrantes. Em sua mão esquerda um cajado, no topo a cabeça de uma coruja entalhada, símbolo de sabedoria.

Os dois se encararam por um tempo. O silêncio, quebrado pelo feiticeiro:

Então, esta é a lendária espada. Agora que estou frente a ela, posso dizer que faz jus à fama.

— Fama esta de extirpar o mal, seres como você.

— A meu ver o mal é relativo, o que fiz foi apenas benéfico.

— Para você!

— Entende quando digo que é relativo? Se tenho o poder para fazer o que quero, qual o problema em usá-lo?

— Porque afeta a vida dos outros. Morte, destruição…

— Conversa entediante. Voltamos sempre para o ponto, faço o que me interessa. Tenho o poder para isso.

— Sua jornada de menino mimado termina hoje.

— Sim, o menino mimado morre hoje. Uma entidade emergirá.

Com isso, o feiticeiro conjurou alguns raios do seu cajado. Eyllon ergueu Suncut, que anulou o ataque.

A seguir, o mago fez um movimento que a princípio pareceu aleatório, mas do lago azul turquesa emergiu algumas criaturas sem uma forma definida, andavam sobre as duas pernas e possuíam algo que pareciam braços. No meio, um tronco contorcido. A cabeça? Algo ovalado.

Todas investiram contra Eyllon, que sem muito esforço as cortou ao meio.

— Já chega, mago! Deixe de brincadeiras. Não esperava que eu caísse nesse truque, não é mesmo?

— Na verdade, você caiu. Não se sinta mal, ou você usava a espada ou já teria perecido. O que quero dizer é que eu precisava sondar a espada, saber um pouco mais sobre a sua magia. Agora já sei.

Então Carovinik começou a andar lentamente em direção ao nosso amigo. Altivo, de postura ereta. Aproximou-se. Estavam frente a frente.

De súbito, lançou um golpe com o seu cajado. Eyllon o bloqueou. Porém o espanto no seu olhar era visível. O cajado não foi cortado. Suncut até então havia cortado qualquer tipo de item.

— Ora, surpresa, meu rei. — O desdém era cruel naquela voz.

Então o mago girou seu bastão, a lâmina da espada escorregou para uma extremidade e a outra bateu na parte de trás da cabeça de Eyllon. Meio atordoado, deu dois passos à frente, mas logo retomou a defesa.

O feiticeiro era rápido para alguém da sua classe, mas Eyllon estava à altura. A armadura leve lhe conferia ótima mobilidade.

Carovinik decidiu terminar com aquilo. Começou a conjurar algum tipo de poder. Do seu cajado um brilho púrpuro iluminou a sala com o turquesa. O clarão cada vez mais forte saindo dos olhos da coruja. Disparou. Eyllon bloqueou com Suncut, que brilhou uma terceira cor, um amálgama. Impossível ver qualquer coisa.

Carovinik já vislumbrava algo, não sabia se os seus olhos estavam se acostumando com a luminosidade ou ela dissipava. Não esperava por isso.

Olhando para todos os lados não viu seu inimigo, apenas a espada caída. Venceu, afinal. Soltou uma gargalhada ao se aproximar do item. Seu troféu. Abaixou para pegá-lo.

Um grito excruciante.

Sua mão queimou. Ele caiu contorcendo-se. Suncut cumpriu seu papel, expurgar o mal que a toca.


Cortadora do Sol


O tão aguardado festival dos Eyllines chegara e como sempre estava lotado. Todos queriam participar. Podemos ver Truoglots andando em meio a Meliguts, Dalmeks, anões, elfos, Talpidae, seres antropomórficos, fitomórficos etc. Havia lugar próprio para adequar a todos, não importava a característica ou necessidade. Aqui, uma trégua de todos os conflitos era dada. Embora houvesse paz em Citarion, rusgas sempre surgiam aqui e ali.

Este festival é ainda mais aguardado, pois, haverá uma competição com os maiores ferreiros. A expectativa por itens dos mais belos e poderosos era enorme. Tudo será dado para o rei e o vencedor receberá riquezas e o título de maior crafter de Citarion, a mais alta honraria para o meio, sem contar que o grande rei utilizará o item vencedor.

O festival era rico em todos os detalhes, podia-se ver competições gastronômicas, batalhas entres guerreiros dos diferentes povos. Onde mais veríamos uma luta entre um Dalmek e um Eylline terminar de forma amigável? Claro que alguém sairá não tão bem quanto entrou.

A arte da falcoaria era incrível e fora a sua participação no torneio crafter, era o mais esperado pelo nosso querido Oluas.

Oluas era um Meligut, não um qualquer era um Milenário, alto cargo responsável por manter viva através de escritos toda a história. Ele também amava confeccionar itens e alguns deles vinham com poderes mágicos, mas nosso amigo não era bem-quisto entre os demais crafters, que o julgavam por seu tamanho. Os Melis possuíam trinta centímetros de altura. Ninguém implicava com os anões, qual era o motivo de implicar tanto com um Meli? Ok, anões tem um longo histórico de itens incríveis a seu favor. Mas Oluas não se deixaria abater. Sabia que podia competir de igual para igual. Passou um tempo com os anões no Norte, onde aprendera e aperfeiçoara algumas técnicas. Tinha um material de qualidade inquestionável para a criação do seu artefato.

O segundo momento mais aguardado pelo nosso amigo chegara, a falcoaria. Nos céus, como você pode bem imaginar falcões! Falcões peregrinos, a elite aérea. A frente vinha Kon um espécime fantástico. Os falcões eram muito amigos dos Eyllines e fiéis aliados em batalhas. O objetivo da competição era completar um determinado percurso em menor tempo, claro passando por obstáculos de grande dificuldade, como um rasante pelo rio de fogo ou desafiando a altitude entre os anéis mágicos.

A competição teria início. Os cinco maiores falcões estavam alinhados, todos concentrados. Kon lança o seu pio, empolgado com o evento. Nesse momento todos iniciam o percurso. É uma competição acirrada, bico a bico. Kon, como esperado estava à frente. Manobras incríveis foram feitas, o resultado? Kon, que liderou a maior parte do percurso venceu. Gritos de euforia, o clangor dos metais em um estonteante momento. Kon faz um voo rasante e pisca, para o nosso amigo e segue, ganhando altitude e some ao longe.

Naquela noite Oluas não conseguiu dormir, estava muito nervoso com o torneio crafter. Sabia que teria que fazer o seu melhor, mas estava feliz em participar. Saiu da sua tenda localizada no espaço destinado para tal. Precisava do último item para a confecção do seu artefato, madeira. Mas não qualquer madeira. Precisava ser algo único e só poderia encontrar na floresta Eylline. Foi às margens da floresta e contemplou as altas árvores. A maioria ali possuía centenas de milhares de anos, eram árvores únicas, podia sentir a magnitude do lugar, não ousaria maltratar nenhuma daquelas árvores, não era preciso, como que se soubessem da necessidade do nosso amigo, de uma árvore caiu um pedaço de um galho, exatamente do tamanho necessário. Pronto, todos os itens foram coletados e bem a tempo.

Ao longe ouviu o soar das trombetas, era o sinal para que todos se reunissem no local destinado ao torneio. Cada um em sua estação de trabalho adequada ao seu usuário. Oluas ia passando em meio aos diferentes seres. Ouvia piadas e comentários depreciativos, mas não ligava. Nada daquilo importava, a felicidade em realizar um sonho era grande demais.

Obrigado pela presença de todos. O grande rei proferiu. Estava em sua armadura de batalha, era uma armadura dourada, possuía traço finos, era muito leve, porém, super-resistente. O crafter que fizera aquela armadura foi um dos mais hábeis a trabalhar com aquele metal. Oluas conhecia bastante. Era o mesmo material que usaria na sua produção, um metal raríssimo que viera dos céus em uma noite estrelada como uma bola de fogo.

É uma honra receber a todos. Continuo o rei. Aqui estão os melhores dos melhores. Todos, eu digo, todos, tem igual chance de sucesso. Oluas percebeu que nesse momento o rei olhara para ele. Nos próximos dias vocês darão o seu melhor e tenho certeza de que entregarão itens de excelência inquestionável. Temos uma data para começar o torneio e só terminará quando o último de vocês entregar sua obra. Com isso dois clangores foram dados. Todos tomaram posição e começaram a produção.

Oluas tirou de sua quiver, uma espécie de bolsa confeccionada com fibras vegetais, o tão raro metal. O brilho era incrível e todos pararam para olhá-lo.

— Dê-me isso pequeninho. É um desperdício um material tão raro com você. — Proferiu um dos crafters. Seguido por diversos risos. Oluas não ligou, seguiu preparando a sua fornalha à temperatura adequada, ela atingiria uma temperatura muito mais alta, pois tinha consigo um pouco de fogo de dragão. A seguir, começou a trabalhar com o metal. O primeiro dia acabara num piscar de olhos e assim foram os dias seguintes, no qual o martelar do metal sobre a bigorna parecia um trabalho sem fim. A essa altura, quase todos os demais competidores já tinham entregado itens belíssimos, itens mágicos e não mágicos de igual beleza. Oluas trabalhava noite adentro, enquanto os demais tentavam dormir, mas o soar das marteladas no metal ecoava muito longe, podia-se ouvir alguns ao lado gritando impropérios.

— Pare de brincar. Deixe os verdadeiros mestres com seu trabalho. Ouvia-se.

— Vá dormir pequeno. você já deu o seu melhor uma voz disse.

Oluas olhou para o horizonte, o dia estava preste a surgir. Adiantou o processo. Algum tempo depois, quando a primeira luz do dia despontou a última martelada fora dada, captando-a. Nesse momento a lâmina começou a brilhar, era um brilho tão forte quanto o próprio sol. Após algumas palavras o brilho abrandou. O Meli começou a dar os toques finais, conectando o cabo de madeira que fora talhado com algumas inscrições. Ajeitou o fio da lâmina polindo-a com uma pedra laranja amarelada. Pronto, estava satisfeito com o resultado do seu trabalho. Fora o último competidor a terminar. A definição da competição sairia no dia seguinte.

Naquela noite, Oluas dormiu profundamente, satisfeito com o seu trabalho. Tinha usado todas as suas técnicas, alinhadas ao raro metal, a madeira de excelente qualidade e o fogo de dragão, tinha confeccionado uma peça digna do rei dos reis. Logo ao amanhecer todos foram convocados para a grande planície, onde poderiam acompanhar a escolha dos itens, cada um mais belo que o outro. O artefato era avaliado na mesma ordem em que o crafter havia terminado, sendo assim, nosso amigo seria o último a ser julgado. As horas iam passando, Oluas estava encantado com tantas preciosidades, artigos do mais fino preparo e trato.

Quando sua vez chegara, a noite já havia caído há algum tempo. O rei parou em frente ao nosso amigo e fez questão de se ajoelhar, para ficar mais próximo e ter a conversa olho no olho. Oluas pegou o seu item e o colocou à frente entregando-o para o rei.

— O que é isso pequeno, algo para colocar entre os dentes? — Alguém gritou da multidão, o que provocou uma onda de risos, mas o olhar de desaprovação do rei, que disse:

— Basta! Esse tipo de comentário não tem espaço aqui. O milenário provou o seu valor. Deu duro e trabalhou mais do que muitos aqui.

Olhando para o Meli, disse:

— O que preparastes para mim?

— Ó grande rei, espero ter feito um item digno dos seus feitos. Respondeu. — E continuou: esta espada é capaz de se ajustar ao seu portador, basta tocá-la.

Assim, quando o rei empunhou a espada, ela passou de um pequeno item, para o tamanho de uma espada comum. Ao desembainhá-la, era como se fosse dia novamente, um clarão surgiu, o que fez com que todos os presentes soltassem sons de espanto e admiração. Oluas disse ao rei umas palavras, que apenas ele conseguiu ouvir e a espada se aquietou, a lâmina voltou a se assemelhar como uma espada comum, mas de comum ela não tinha nada. Podia cortar qualquer outro tipo de material. Era leve, tinha um excelente balanço, muito fácil manuseá-la.

— Vamos testá-la. — Aproximou um Dalmek, empurrando algumas pessoas que estava à frente.

— Insolente. — O general Eylline proferiu, já desembainhando sua espada.

— Tenha Calma Ryor. — Disse o rei tranquilamente. — Ótima chance de testar a minha espada.

Suncut. — Disse Oluas.

Mal o rei tomou posição, o Dalmek atacou com tudo, o rei com leveza chegou para o lado desviando da investida. No mesmo momento outro ataque. Dessa vez, com um movimento único, o rei cortou fora toda a lâmina da espada do seu oponente. Àquela altura, Suncut voltara a brilhar como se fosse dia. O que arrancou aplausos e gritos de empolgação. Sendo assim, Suncut foi eleita o mais belo item e passou a ser a espada do rei. E assim seria dos seus sucessores. Oluas recebeu o prêmio e o título de maior crafter de Citarion.


O Aprendiz Milenário

Zol era um jovem Meligut muito ambicioso, fora escolhido logo cedo para o estudo das poções, seu mestre à época era Lit , mas Zol queria mesmo era ser escolhido o próximo Milenário, cargo responsável por juntar e registrar toda a história de Citarion, função essa que coube ao seu irmão Zolú. Zol que nunca jogou completamente dentro das regras e possuía uma determinação inabalável. Sempre que podia tentava sabotar os treinamentos de seu irmão e se possível minar a sua cabeça com ideias de que não era capaz, para assim tentar usurpar o seu lugar. Zol certa vez, sabendo de um teste importante no treinamento de seu irmão foi à Torre da Lembrança com a desculpa de que precisava ler sobre uma poção descrita nos registros da biblioteca da Lembrança, local de um conhecimento incrível, somente com o intuito de sabotar o teste. Após espionar Orz por algum tempo, Zol sabia exatamente qual seria o teste proposto e como manipula-lo a seu favor. Como grande conhecedor de poções, sabia exatamente quais poderia trocar a etiqueta e não ser visível a mudança, assim o fez.

O encanto a ser executado, deveria ser o da leitura dos sonhos, a pessoa que você sujeita ao encantamento deveria ter seus sonhos "lidos" pelo Milenário. Mas, com a troca dos itens o efeito seria muito diferente. O dia do teste chegou e Zol se voluntariou para o teste, o que foi aceito, pois ele era irmão de Zolú e também tinha a admiração de Orz, por sua determinação e esforço em sua área de estudos. O teste teve início e com ele o preparo da poção, era um encanto simples, com poucos ingredientes. Assim que terminou o preparo Zol tomou a dose indicada, mas logo de início o resultado não fora o esperado, ele começou a convulsionar e entrou em estado de torpor, rapidamente Orz tomou a dianteira, pois Zolú ficara assustado, não entendia o que fizera errado.

Zol a essa hora já estava muito pálido e seus sinais vitais começavam a desaparecer. Orz corre e começa o preparo de uma poção, uma muito especial. Aquela era uma das mais raras e poderosas poções, a dosagem certa prolongaria a vida de quem a tomasse em um ciclo de vida Meli, mas na quantia exata curaria, quem a bebesse, de qualquer enfermidade. E assim, aconteceu. Orz tomou a poção e os sinais começaram a voltar, logo sua pele já tinha retomado a cor bronze característica dos Meli. Zolú estava em um canto, não sabia o que havia feito de errado, havia estudado a dosagem e os itens diversas vezes. Orz e Zolú saíram , deixando Zol nos aposentos para ter tempo de trocar os ingredientes uma vez mais e assim acobertar seu plano. Tempos depois, Zol consegui convencer Orz de que seria uma boa ideia ter um novo discípulo, caso Zolú não conseguisse cumprir o treinamento, algo que nunca acontecera antes, ocorreu. Pela primeira vez Um Milenário tomou para si dois discípulos, dois irmãos.